domingo, 31 de agosto de 2008


Filhos de Dédalo

Dédalo peço-te o que nunca ousei:
- constrói-me umas asas silvestres
com penas de tordos e estorninhos,
enlaçadas com ervas mediterrânicas,
iguais as que construíste para Ícaro.
(O teu filho preferido, mas o mais
irresponsável e ingrato de todos.)

És meu pai e não me amas, como a ele...
Sou a tua filha-cardo da serra árida,
fruto do sémen aquoso de velho criador
com a sua estátua, num sopro de mulher,
abandonada por ti, em pedra de calçada.

Sou refém do rei Minos e de uma vontade
que me suga a alma em círculos orvalhados.
Incapaz de roubar o fio condutor de Ariadne
rumo ao perfil molhado do belo Teseu,
o único capaz de matar este minotauro,
que me galga nas veias de cal e me prende
no bolor, negando-me o voo num céu de luz
livre deste labirinto de Creta, dentro de mim.

Pai, não te posso perdoar, nunca!
Amaste só um dos teus filhos, e logo
aquele que queria tocar o sol, enquanto eu,
livre de mim, sem labirintos, queria amar Teseu...

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