sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sombra




Na feira perfumada das vaidades

há flores florindo desmedidas,

misturam-se nas calçadas com

as águas intranquilas das praças

onde esta sombra avança muda.

Ela não é o meu corpo distorcido,

cortado pela luz do meio-dia,

ela é um resto incauto de ti,

que entre mim e a vida quotidiana

teima em interpor-se anonimamente.


Invento-te nas palavras que hoje

descarno, distante das brumas e

das esquinas pintadas de noite,

onde nos costumamos corporizar.

Hoje apareces aqui neste chão de pó,

marcado pelos rastos dos animais,

na aurora pálida de silêncio intacto,

na harmonia fingida das palavras

que procuro para te surpreender.


Queria-te hoje presente, de cara destapada,

além da minha sombra, além do nosso tempo,

para além deste poema que rasguei mil vezes,

pois ele é apenas um tronco morto, náufrago,

um resto daquilo que te queria gritar a nu,

mas que as palavras teimam sempre em abafar.