sexta-feira, 15 de abril de 2011

“Menina dos olhos de água”


Hoje o meu olhar é um leão de papel,
E o meu corpo um barco num ombro
forjado em imagens vãs de mentira.
Não sei se posso aportar nestas vagas
e desfazer os olhos neste mar morto
que me afoga sem máscaras, farsas,
fortalezas, liberta desta tormenta felina.

Era urgente abrir com as unhas a noite
e reentrar na carne amniótica da lua,
desparir-me nos seus ecos maternais...
Mas só no fundo da cal mortal dos algares
encontro a imagem amputada do que fui,
embrulhada numa armadura de malha-de-lã,

Chamam-me gruta segura, sem chuvas precipitadas,
Mas não sabem que só fui fortaleza quando era ave trémula
e ouvia aquele canto sussurrado na lua e nos canaviais:
“ Minha menina… menina dos olhos de água..
eu só por mim quero-te tanto, que não vai haver
menina para sobrar” - fica para mim e deixa-me encantar-te.

Então os peixes eram borboletas-no-estômago,
as águas e as algas escorriam mais verdes e puras
nos meus olhos, até serem um mar de choro e risos
e em ti rebentava uma tempestade com perfume de rosmaninho e limão.

De tudo só ficou a música,
hoje sou pedra de cal corrosiva, esfinge negra, alfazema roxa
caindo por mim abaixo, até ao fundo de um algar, de uma gruta
onde possa desnascer…voltar a ser ribeira de águas limpas…
Mas será em vão:
a menina morreu …
os olhos já não são mar…
e aqui não há rosmaninho, só o ácido do limão…