sábado, 20 de junho de 2009

Funâmbulo





Trepo pelas linhas de aço fino
de um papel espinhoso e estéril,
ocultando-te no raio de uma vertigem...
Busco o espanto baptismal da cria ao nascer,
cheirando palavras tenras, orvalhadas
impronunciáveis ao vento e à chuva.

Avanço na voragem dos dedos trémulos,
aportando no cimo de mim,
espreito nas arestas o que nunca senti,
mas escorrego....tropeço em ti
e caio em mim, num poema-novelo confuso.

Neste ápice sou funâmbulo do papel farpado
ensaiando acrobacias nas palavras,
procurando o aplauso do público ausente
e o arrepio gelado na tua nuca quando caio
desta teia urdida a ferro e fogo,
verdadeira corda-bamba de letras aladas
que nos algema ao circo da vida,
vivida sempre pela metade, sempre vacilante...

Na última bancada lá estás tu,
sorriso irónico e aplauso metálico, oiço-te gritar:
« Levanta-te, pega nas palavras e voa de novo,
desta vez sem olhares para mim! »

domingo, 7 de junho de 2009

Gaveta



Gaveta

A tua imagem espreita perdida
num canto oblíquo da gaveta,
onde amontoo os papéis do presente e
as almas do passado, escondidas
entre o lixo, o pó, e a ilusão doce
do cheiro dos limões maduros.

Diz-me,(pois já não me sei lembrar...)
Houve um dia em que te dei a mão
e toda a multidão se esfumou?
Já não sei se essa foi a verdade
ou se a sonhei na dormência dos dias.

Sabes...já não sei se tivemos garras
e se cantámos abafados pelos gritos
dos mochos, nas florestas de Elfos,
chapinhando as asas roubadas
nas grutas germinais de águas gélidas.
Sabes... já não sei se existes de verdade,
ou se te moldei com o pó das estradas,
que fui percorrendo em círculos calados,
amassando as dúvidas e os vazios
com a argila das tuas palavras aladas.

Sim, eu sei ...criei-te com a forma do que és
e a alma que para ti fiz, costurando os
retalhos de mim e de ti que se perderam
ao olharmos os outros e as folhas caídas.

Sim... nós sabemos, quando tudo abandonei
ficaste tu e um búzio,
amarrotados num poema inacabado no fundo
desta gaveta poeirenta e desarrumada.