segunda-feira, 30 de junho de 2008

Morte anunciada


Nesta esquina angulosa

avança uma mão de ternura

rumo à luz negra do teu olhar

que me torna nua.



Mão transformada em concha

no orvalho da manhã

e no frio das espadas fechadas.



Atiro às paredes

palavras secretas, inconvenientes...

Lançadas ao mar

como um punhal

que te quer ferir,

Matar...

Águas


Dos olhos verdes

A magia da água goteja

Nas folhas novas e inseguras

Do laranjal.

Olhos inundados

Pela onda crescente

Roçando no vento

E na sombra da tua cintura.

Na água

Escorre o perfume a limão

Da minha mão

Embebida nas tuas águas silenciadas

quarta-feira, 18 de junho de 2008



Se o vento
soprar um pouco mais
agitará
águas paradas, silenciadas
num ventre esquecido.

Mas o vento cheio de murmúrios
não traz a voz dos leitos agitados
nem o sol dormindo, ali ao lado.

Só um ventre estéril
sem o leve agitar da mão que passa,
sem anunciar
o zumbir de abelhas na caverna,
nem um espraiar de mar.

Beijo


Ondula no grito das asas e

no sopro do vento nómada

um beijo cego, mudo, nervoso,

há muito prometido e omitido.

Foi vagarosamente esculpido

a frio, nas ondas nuas do mar

e na lava cinza que ali petrificou.


Ele envenena boca a boca,

exterminando todas as certezas

num abismo galáctico de carne.

Espreita numa nesga de medo

entre o olhar e a noite, confiante

que acabará com tudo o que és,

deixando em aberto tudo o que não serás.


É o beijo final, epílogo da última amante,

é o beijo fatal, o sopro vertiginoso da morte.

sábado, 14 de junho de 2008

Mensagem numa garrafa de rum





Na taberna do porto, em círculos

juntam-se os velhos marinheiros,

cachimbo na boca e copo de rum,

entre uma conversa meia calada

e um olhar nostálgico, procuram

no horizonte as sombras de um navio

que nunca há-de vir aquele porto.


Em segredo, continuam também à espera

que venha nas ondas revoltas da idade

uma garrafa de rum com uma mensagem

de uma das mulheres que fingiram amar,

num porto distante antes de partirem.


Mas a garrafa esperada nunca chega,

afinal não foram os únicos a fingir amar...

Mas que lhes importa? Enquanto houver

garrafas de rum cheias para espiar o mar...

Lírios


Entre um olhar e um sorriso

a idade inocente dos lírios,

adocica o ar morno da sala

e apesar das janelas metálicas

despontam braços alados

elevando-me além dos telhados,

além das convenções diárias

dos papéis definidos e pardos.


Na ignorância deste mistério

esfuma-se um perfil de anjo,

fingindo-se chama diabólica

enigma de pássaro tímido,

que nas margens dos outros

se torna presente aqui:

entre os lírios da jarra

e as palavras luminosas

que os copos mudos bebem,

entre um golo e um olhar

perdido na noite solitária,

ruída pela fome de afecto.