domingo, 7 de junho de 2009

Gaveta



Gaveta

A tua imagem espreita perdida
num canto oblíquo da gaveta,
onde amontoo os papéis do presente e
as almas do passado, escondidas
entre o lixo, o pó, e a ilusão doce
do cheiro dos limões maduros.

Diz-me,(pois já não me sei lembrar...)
Houve um dia em que te dei a mão
e toda a multidão se esfumou?
Já não sei se essa foi a verdade
ou se a sonhei na dormência dos dias.

Sabes...já não sei se tivemos garras
e se cantámos abafados pelos gritos
dos mochos, nas florestas de Elfos,
chapinhando as asas roubadas
nas grutas germinais de águas gélidas.
Sabes... já não sei se existes de verdade,
ou se te moldei com o pó das estradas,
que fui percorrendo em círculos calados,
amassando as dúvidas e os vazios
com a argila das tuas palavras aladas.

Sim, eu sei ...criei-te com a forma do que és
e a alma que para ti fiz, costurando os
retalhos de mim e de ti que se perderam
ao olharmos os outros e as folhas caídas.

Sim... nós sabemos, quando tudo abandonei
ficaste tu e um búzio,
amarrotados num poema inacabado no fundo
desta gaveta poeirenta e desarrumada.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gaveta

Na gaveta guardam-se os tempos das colheitas,
as cartas que se liam como quem come romãs
e receia engrossar as bocas trémulas temerosas.
Na gaveta guardam-se todas as fotografias impessoais,
os amigos que só existem a preto e branco
ou nas curtas-metragens inverosímeis de ficção.
Na gaveta guardam-se as chaves improváveis,
os revólveres devastadores do sonho estropiado
e as mãos quietas desprovidas de linhas sibilinas.
Na gaveta guardam-se todos os bilhetes dos comboios
que ousando atravessar a inimaginável noite
partiram daqui do peito e chegaram a lugar incerto.