domingo, 9 de novembro de 2008


Poema ingénuo para Eugénio


Num fim de tarde laranja-estival
na paz basáltica da escada antiga,
mastigo pão de centeio pingando mel
num vestido-lua de alfazema madura.
Como um mestre, brilha na erva tisnada,
um gato amarelo, ou um poeta, que lambe
raios de sol desenhados pelas cerejeiras.

Então repito o teu jogo dos dias ácidos
para abafar o mofo das palavras vedadas,
abro ao acaso o livro Interdito de Eugénio :
“Eras o fruto/ nos meus dedos a tremer.
Podíamos cantar/ ou voar,/podíamos morrer”...

As mãos em concha recebem águas de íris
no silêncio ondulante da noite nas alcachofras,
as cerejas rubras tremem na aragem jovem,
enquanto os tordos viajantes cantam, voando baixo.
E nós ingénuos só podemos morrer com Eugénio...
Os outros versos serão lume nas sombras da lua,
numa noite de chuva miudinha refrescando o cerejal.

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