Cafe terrace on the place - Vincent van Gogh
Na chávena de café adoço
a ilusão dos dias imperfeitos,
girando em remoinho a colher
pela memória dos pomares
de limões ácidos e maduros.
Com a brisa nocturna sopram
acordes vagamente salgados
e na plenitude das máscaras
estendo a alma e apresento-me:
- aqui, eu não sou Eu
e tu não és Tu, nem Ele.
O diálogo pinga sobre a mesa
esculpido em monólogo teatral
de palavras vidradas, desencantadas
no fundo dos bolsos poeirentos.
E no silêncio dos nossos ossos
não somos mais que carcaças
de velhos veleiros sem idade,
num cais nocturno e anónimo,
esperando sem vontade nem fé
uma corrente de sul, ou um milagre:
Que te afaste de ti e ele de mim,
Que me naufrague nas outras de mim.