
Na feira perfumada das vaidades
há flores florindo desmedidas,
misturam-se nas calçadas com
as águas intranquilas das praças
onde esta sombra avança muda.
Ela não é o meu corpo distorcido,
cortado pela luz do meio-dia,
ela é um resto incauto de ti,
que entre mim e a vida quotidiana
teima em interpor-se anonimamente.
Invento-te nas palavras que hoje
descarno, distante das brumas e
das esquinas pintadas de noite,
onde nos costumamos corporizar.
Hoje apareces aqui neste chão de pó,
marcado pelos rastos dos animais,
na aurora pálida de silêncio intacto,
na harmonia fingida das palavras
que procuro para te surpreender.
Queria-te hoje presente, de cara destapada,
além da minha sombra, além do nosso tempo,
para além deste poema que rasguei mil vezes,
pois ele é apenas um tronco morto, náufrago,
um resto daquilo que te queria gritar a nu,
mas que as palavras teimam sempre em abafar.